Todos nós Somos Crentes
Todos os homens da terra estão conscientes do infinito e da eternidade. A única diferença que existe entre eles é saber até que ponto essa consciência abala cada indivíduo considerado isoladamente. Um acredita num Deus pessoal acima das coisas e dos homens, o outro acredita no seu próprio querer como no seu Deus, uns são humildes, outros revoltam-se, e todos, seja qual for o comportamento individual de cada um - todos são crentes.
Arthur Schnitzler, in 'Espírito e Religião'
Olá caro leitor!
Deixo-me ficar quieta e calada. As sombras apertam o meu corpo e mirram-no. Há pouco olhei o espelho e não me conheci! Sim, não há nenhum sentido de relatividade entre o meu cérebro e este corpo desconhecido. Andei nos últimos tempos distraída de mim. Foi o melhor tempo reconheço. Os meus sonhos estavam sempre primeiro, não querer ver a realidade. Hoje olhei o espelho e verifico que me estou esfumando.
Perante a juventude que me rodeia retraio-me para que não pensem que sou ridícula...bem mas depois rio-me e volto a mim por dias ou meses.
Gosto de ser um pouco louca, imaginativa e por vezes inocente. Bem depois há que dizer que tenho a outra parte que se encontra sempre alerta e, por vezes, fica remoendo por pequenas coisas que afinal no tempo certo passam a não ter importância. São as nossas fragilidades, vidros partidos que picam o nosso corpo esvaziando a nossa firmeza nos gestos e nas palavras. Não me conhecem, é isso, não me vêm. Verdadeiramente nunca me conheceram. Vou morrer um dia e pouco saberão de mim por mais que eu fale e pensem que sou espontânea. Falo, falo para acreditar que sou tal e qual assim. Puro engano...a outra fica silenciosa e triste na sua agonia.
É verdade há o mar para eu sentir que sou grande como ele e existo no meio de tanto esplendor. Trás-me o som que me embala, os seus vestidos brancos de noivas se espraiando e nos passeios os cães passam satisfeitos com os seus donos. É verdade existem as crianças que correm e são tão inocentes quando olham o mar! A sua pele é fina, as suas olhos falam do amor que recebem ou não. O que está para além de tudo que vislumbro e que ocupa os meus pensamentos? Que sejam felizes, que sejam crianças...
Acordar e esquecer o espelho, os olhos que me recriminam silenciosamente...Passo a existir novamente, a querer, a ultrapassar a imagem e ficar com o meu interior ainda intacto.
Tenho afinal o tempo da experiência, o tempo das lágrimas e também dos sorrisos. Olho para trás e penso: Gosto de mim...seguro a minha figura e ternamente acalento-a para que por mais algum tempo me deixe usá-la. O meu coração alegra-se com a minha ânsia de vida.
Quero mais do que tudo viver e deixar viver todos aqueles que me rodeiam e me amam e que sorriem por eu ser assim.
Abraço-vos
Aida Nuno
Minha querida Mãe,
Mãe que me guardaste no teu corpo que me desejou. Como me sentia sereno dentro de ti ouvindo o teu riso, as tuas palavras como murmúrios de água cristalina.
Nasci e me envolveste com um amor carinhoso e autêntico. Sempre achaste que eu era o mais bonito, o melhor mas não o dizias porque tinhas medo que algo me acontecesse.
Mãe, como me lembro dos teus afagos, beijos e as carícias no meu cabelo. As tuas palmadas leves, a tua disciplina e também as zangas porque eu não comia. Tudo era ternura, preocupação para eu crescer bem e ser um Homem com letra grande.
Os teus beijos mãe ficarão para sempre. Com esses beijos acumulei dentro de mim muita ternura para dar. Com eles vivi da melhor maneira e sei que os retribui, um por um.
Parti sem retorno mas esse amor que tivemos ficou acumulado no teu coração com alegria, porque me tiveste, porque me abraçaste, porque me cuidaste. Vai com certeza compensar os momentos maus que irás ter na vida, para poderes batalhar neste mundo que não e fácil de viver sem mim.
Não sabia que partia mas a vida é assim... Alguns dos filhos têm que partir mais cedo, outros têm que continuar mais tempo. Os objectivos são imensos: descobrir a cura para doenças que ainda são incuráveis, abrir as consciências dos homens que governam, que têm poder... O mundo mãe é uma grande interrogação e de geração em geração tudo se transforma. Sei que não te posso consolar com os meus argumentos mas é o que te posso oferecer minha querida.Perdemos a nossa companhia física mas a memória está contigo mãe. Serei sempre o teu filho bem amado.
Como eu gostaria de ter continuado contigo para lutar por um mundo melhor, pelos direitos iguais, pela amizade e tudo o mais que me ensinaste mas tu, mãe, não desistas, persiste com o que de bom tens em ti. Continua a dar a tua ternura que tão docemente cultivaste em mim. Nada se perdeu porque continuo feliz por teres sido a minha mãe para além do tempo e do que se vislumbra.
Obrigada por tudo que me deste, pelos sentimentos que abrigas no teu coração. Mantém-te firme, generosa, humana pois só assim me posso rever em ti.
Até sempre...teu filho,
N.G.
Mãe,
Li a tua carta várias vezes. De cada vez que a lia os meus sentimentos iam-se modificando...passaram da intolerância à raiva, por mexeres nas minhas feridas, até ao consolo de afinal ter a minha mãe.
Sou uma jovem também marcada pela minha infância e isso não se esquece facilmente. Afinal não és tu só mãe que assististe e viveste aquilo que não querias. No entanto mesmo recordando e sentindo ainda o passado, que se prolonga até este presente, podes acreditar que nada do que se passou irá influenciar negativamente o meu futuro porque este é o meu tempo e não abdico daquilo a que tenho direito. Afinal tive um pai e uma mãe. Se a vossa vida em comum foi desajustada tinha forçosamente de captar todo esse clima de desunião. Não foi o vosso divórcio que me machucou, hoje já entrou na vulgaridade, foi o encobrimento do meu verdadeiro pai. Não quero nem devo ser juíza mas tu, na vontade de mudares de vida acabaste de suportar tudo aquilo que odiavas sempre na procura do nada. Depois, como tu própria o dizes, soube da minha paternidade em diversas versões que me chocaram. A tua ingenuidade cobriu-te de remorsos. O teu segredo esteve sempre exposto e nunca quiseste perdoar ao paizinho. Foi tudo muito complicado também para mim e francamente não quero entrar por nenhum caminho que me obrigue a fazer juízos de valor.
O meu pai, aquele que sempre reconhecerei como tal, partiu mas continua no meu coração. Tinha defeitos e qualidades, bem o sei, mas era puro no seu idealismo e transmitiu-me, tal como tu, ensinamentos que guardarei para sempre. O outro, aquele que verdadeiramente te marcou como mulher, é para mim, como um D. Sebastião que se esfumou na guerra colonial, antes do 25 de Abril, esse Abril que hoje poucos lembram e até alguns jovens desconhecem. Ainda bem que tive um pai que viveu esse tempo e mo transmitiu, com as suas verdades e mentiras, mas que eu vou de ano para ano, tentando inquirir e ponderar a realidade do teu tempo. Chegarei algum dia a algum consenso?
Sinto-me uma jovem bastante elucidada e pergunto-me, muitas vezes, se o seria se tivesse tido uns pais, como to hei-de dizer, mais vulgares ou seja mais equilibrados. O que eu hoje sei e disso me orgulho, foi que ambos à vossa maneira se debruçaram sobre mim e me incutiram os valores que estão acima da política e da ambição de muitos. Quero, agora mais do que nunca, ser imparcial e flexível. Porque não enterrar as partes menos boas do passado? É verdade mãe, os jovens de hoje, são menos facciosos, mais abertos à verdade, justiça e clareza.
Desculpa esta mudança de conteúdo mas tinha que desenvolver o meu raciocínio e dizer-te que foste tu, mais do que ninguém, a minha grande mestra.
Nada tenho para perdoar. Se viveste um mundo conturbado e no teu íntimo sofreste desajustamentos que a vida te ofereceu, quem sou eu para continuar a infligir-te mais sofrimento? Afinal, como tu bem o dizes, foste acompanhando o meu crescimento e, como tu muitas vezes me provavas, Portugal era pequeno e o teu amor muito grande por mim.
Estou aqui na varanda da nossa casa. O amor da avó pelas rosas nunca morreu assim como um grande amor por ti. Hoje os canteiros são vasos mas as rosas da avó têm a mesma beleza e perfume todos os anos quando rompe a Primavera. Como fiquei feliz ao saber que vais regressar definitivamente!
Tenho saudades de assistir contigo a um pôr-do-sol daqueles tão vermelhos que se deixam olhar por morrerem tão mansamente. Já me estou a ver partilhando o meu dia a dia contigo e com a avó. Fiz-te sorrir? Vem mãe...com a tua presença constante e tão necessária...
Com amor, a tua filha
Rita
Conheci uma jovem que perdeu o seu filho num acidente de bicicleta. O que mais me impressionou, quando a vi pela primeira vez, foi a intensidade do seu olhar, o que tinha contido dentro dela. Foi esta a sua carta cheia de sensibilidade perante a Vida que sente e a rodeia:
Querida filha,
Um dia vais, com certeza, achar a vida da tua mãe absurda e, nalguns aspectos, igual a tantas que vais conhecendo com o passar do tempo. Quando fores realmente uma mulher mais madura, auto-suficiente e que eu espero insubmissa à mentira, compreenderás muita coisa que ficará por dizer. Todos temos a nossa verdade.
Tudo continuará sempre em mudança. Não há paragens, só oportunidades boas ou más e decisões que muitas vezes nos ultrapassam porque não há tempo nem vislumbre de outras oportunidades, percebes? Sei que já se vão abrindo caminhos mas muito vagarosamente. Para ultrapassar preconceitos, mentiras convenientes, em suma, a hipocrisia de uma sociedade que se gosta de mostrar com a sua capa civilizada, temos de a escandalizar. Quando verdadeiramente evoluirmos neste país tacanho o tempo da tua mãe já passou.
Não sei se para ti serei considerada a mãe ausente, egoísta e sem amor real para te oferecer mas, um dia, irás compreender que só quis dar uns passos mais à frente do que era habitual para a minha época.
Se eu me calasse a tua vida iria ser vivida com certeza sem percalços de maior mas isso não seria bom para ti. Nunca irias saber o que deves saber, o meu tempo, os meus anseios, a minha vida enquanto jovem porque quando a minha velhice chegar todas as minhas atitudes deixarão de ter assim tanta importância. Aprendeste, mesmo sofrendo com o impacto de duras realidades e ainda com a minha ausência, mais qualquer coisa sobre os problemas duma época que eu vivi muito conturbada. As limitações a que nos obrigavam por sermos mulheres eram absurdas. Tudo se vai modificando de gerações para gerações e nós vamos ganhando terreno. O teu caminho está aberto, livre, mas não será fácil.
Agarro-me à esperança do teu discernimento e inteligência. O teu amanhã será diferente e eu creio que vais acreditar na tua mãe e serás condescendente perante a sua ousadia. A tua juventude, o teu tempo serão favoráveis à compreensão de todo um passado que para mim foi doloroso e de sobrevivência.
Os anos da minha ausência foram usados para me conhecer livre de influências que me fizessem acobardar e esquecer a vida. Assim conheci outros caminhos, fiz opções através de outras janelas que abri como e quando quis. Foi um período de vida em que me senti uma pessoa não utilizada. Espero que me compreendas porque já és uma mulherzinha com uma outra visão às realidades do teu tempo. Com a tua idade, eu sonhava demais, porque vivia em espaços muito limitados.
Quando me afastei para me encontrar tu vieste comigo, estavas no meu coração e sempre ali ficaste. Quis procurar-me e a vida profissional ajudou-me a uma mudança. Sei que podia ter escolhido, ficado perto de ti e da avó mas a minha ânsia de conhecer outra maneira de viver foi mais forte e a situação económica teve muito peso. Sabes querida, a mãe quis ultrapassar as grades invisíveis que sempre a impediram de ser livre. Passou os seus melhores anos envolvida por imposições. Mas não foi só isso, o que marcou a tua mãe foram as pressões de muitos anos, que sendo opostas, eram similares. Quis encontrar um clima neutro onde me pudesse ouvir e decidir o que a minha alma e o meu corpo queriam. Errei ou fiz bem? Remexi na minha amargura, idealizei ser outra, representei a vida até sentir-me mulher e por fim distinguir o que realmente vale a pena. Fiz bem ou asneira? Não sei...As alternativas não eram muitas e fugi dos lugares, das paredes, das vozes do passado. Não acarinhei todos os teus dias, não velei diariamente por ti mas tentei nesta ausência estar contigo o mais tempo possível.
Desculpa querida a omissão da verdade das tuas verdadeiras origens e a ausência de um pai que nunca mais procurei porque o meu orgulho assim o exigiu. Fiz mal ou bem de encaminhar a minha vida assim? Mais uma vez te digo que não sei. Hoje muita coisa deixou de ter significado e só tu, minha filha, ficarás para sempre como o meu amor imenso.
Não me sinto bem. Esta minha independência passou a não ter significado. Afinal nada de muito importante me aconteceu porque não era bem a importância de um presente que eu buscava mas sentir-me livre para perceber a diferença. Afundei-me nesta procura de mim própria e afinal agora vejo que neste amor que sinto por ti é que poderei encontrar a verdadeira felicidade.
Tu existes, nasceste de mim, eu quis-te mesmo sabendo que não iria ser fácil viver olhando um passado que me marcou profundamente e um presente interdito aos meus sonhos. Depois, bem depois quis varrer a minha casa que começava a estar demasiado suja e fechada como a outra que tinha deixado por circunstâncias muito similares. O meu percurso de criança a adulta foi deveras difícil e, por tudo isso, tinha de pensar e agir por mim para perceber a diferença. Como adulta não podia continuar a viver lamentando-me e encobrindo o segredo da tua paternidade.
Ao contar a minha verdade, tudo o que afinal me roía por dentro, constatei que afinal o que me mortificava não era segredo, que o meu sofrimento não tinha valido a pena. Não devo repetir tudo o que já há alguns anos sabes e em diversas versões. Não te deixes invadir por inseguranças e complexos de falta de identidade. Olha para a tua parte luminosa: a juventude, beleza, instrução e esse coração bondoso que sei que possuis. Serás tudo o que quiseres. Que continues sempre consciente do valor da tua própria vida.
Em breve vou voltar. Não ando bem de saúde e vou regressar à minha verdadeira casa.
Desejo recomeçar, rever o teu lindo sorriso e, principalmente, abrirmos os nossos corações ao amor que ficará agora, com certeza, mais fortalecido.
Não me deixes muito tempo à espera e perdoa à tua mãe este desafio, esta busca que, por fim, sinto que terminou.
Agora vou descansar. Hoje escrevi para ti tudo o que sei de mim desejando um futuro contigo. Se te despojares de ressentimentos e me quiseres de volta todo o passado valeu a pena.
A mãe que te ama
Paula
A prática da comunicação consciente pode ajudar-nos a ultrapassar tudo que está bem escondido em nós.
Para vivermos o nosso dia a dia saudavelmente sem dor, raiva ou mesmo segredos, é preciso destruir essa grande barreira que nos oprime e que torna difícil viver em harmonia connosco e com os outros.
Porque não falarmos também das alegrias que ficaram no silêncio por pudor. Os nossos vícios e virtudes. Tudo afinal se conjuga porque ninguém é perfeito. Um sem fim de histórias que podemos partilhar.
Este blog é um desafio a todos que desejarem colaborar e inserir nele um conjunto de temas reais ou imaginativos onde se poderá misturar a ficção com a realidade.
Quantas e quantas vezes não compilámos na nossa mente palavras que desejaríamos dizer a alguém que amamos ou detestamos? Depois a coragem e o desejo que nos motivou desaparece e recalcamos mais uma vez o nosso sentir.
Vamos expor o amor em várias vertentes. Contar segredos guardados e muitos outros desvendados pelos nossos antepassados e que poderiam ficar no esquecimento. Mistérios e sinais que nos trazem a fé de que a Vida nunca acaba.
Sem expor a nossa identidade tantos temas que, quem sabe, poderiam, ao serem mais tarde escritos no papel, ajudar muitas pessoas a superarem os seus traumas, dúvidas e descrenças sociais e políticas. Tudo o que escrevermos vai com certeza ser uma mais valia para o nosso crescimento.
Este blog é de todos vós. Entrem nele e escrevam. Podem como alternativa mandar o vosso artigo por e-mail que eu o transcreverei.
Estou muito consciente do valor deste trabalho. Um mundo real dentro do virtual, vivido com mais ou menos dificuldades, com mais ou menos solidão, como mais ou menos filosofia. Somos afinal o verdadeiro livro da Vida.
São cartas, segredos e mistérios...vamos abrir os nossos corações com o que de melhor temos para dar aos que nos acompanham.
Aida Nuno